Recebi este texto por email e achei importante a sua divulgação (com os devidos créditos, é claro). Ele trata da reflexão de uma professora sobre a greve dos professores da rede estadual de ensino da Bahia, iniciada no dia 11/04/12. É um texto longo, mas que vale a pena ler e refletir mais um pouco.
Entra ano e sai ano e nós, profissionais da
educação, repetimos nas escolas, nas salas de aula, na sala dos
professores, em casa, em conversa com amigos, na mídia.... o quanto
nossos salários são baixos, o quanto a nossa profissão é desvalorizada, o
descaso dos governantes a respeito da educação, que os pais não dão
valor a educação dos filhos, e até que nossos alunos são desinteressados
e não sabem da importância que a educação tem na vida deles. Exigimos o
respeito que a nossa profissão, que a nossa função social, que os anos
de estudos, que o árduo trabalho diário de lidar com centenas de
crianças e/ou adolescentes merece. Mas, quando chega um momento crucial
como esse, em que uma greve de professores é deflagrada porque um
governante se recusa a cumprir o acordo por ele assumido, que tentou por
meio de diferentes manobras fazer com o que reajuste dos professores de
todo o Estado brasileiro fosse inferior ao que a presidenta determinou,
em cumprimento da lei (ratificada pelo supremo Tribunal de Justiça), é
que percebemos que RESPEITO É PRA QUEM SE RESPEITA.
É muito
triste que num momento crucial como esse, onde a nossa categoria de
professores deveria estar unida
para que enfrentássemos os muitos percalços que a decisão tomada na
ultima quarta-feira vai nos gerar na mídia, nas declarações do
governador (se ele se der ao trabalho), do secretário de educação, de
alunos, dos pais de alunos, tenhamos muitas vezes que lutar para
convencer nossos próprios colegas a aderir ao movimento que luta para o
bem e pelos direitos de todos os professores. Alguns munidos de
argumentos como: “a greve não vai dar em nada”; “vai prejudicar apenas a
nós professores, e aos alunos, pois o governo não tá nem aí”; “vai
sacrificar nossos sábados e merecidas férias do final do ano”, ou até,
“eu já ganho acima do piso”, então, para que lutar?
O clima de
derrotismo tomou conta dos professores baianos em decorrência do
constante desrespeito do atual governo com a educação, desde seu
primeiro mandato, quando ele foi o primeiro governador a zerar os
contracheques dos professores porque estes
estavam em greve ou a ser irredutível na perspectiva de que só
negociaria se voltássemos a trabalhar (a nós tratar como cachorros que
colocam o rabo entre as pernas quando o dono bate o pé). Mas, não somos
os únicos a nos sentir assim derrotados, humilhados, com medo. Basta
lembrar o tratamento autoritário e desrespeitoso dado aos policiais em
greve recente (não quero, com isso, abonar as falhas de alguns
policiais). É o funcionalismo público baiano que se sente assim, diante
de postura tão agressivamente autoritária do atual governador, que nos
faz questionar: cadê a sensibilidade do sindicalista de outrora?
Para
esses colegas, só gostaria de lembrar que, na história, nenhum ganho
social veio sem luta. Luta que custou, muitas vezes, a vida e a
liberdade de muitas pessoas. Todos os direitos alcançados, o foram com
sangue , suor e lágrimas. E agora vamos desistir porque precisaremos
trabalhar nos sábados e sacrificar as férias?
E os muitos mortos, presos e torturados para que pudéssemos ter
direitos iguais, direito ao voto e à participação política? Direito à
vida e à liberdade, direito de ir e vir, de expressar nossas opiniões,
os direitos trabalhistas: jornada de trabalho, férias, salário mínimo,
seguro desemprego, licença maternidade, e tantos outros mais? Estamos,
quando evocamos essas perdas mínimas que teremos, desrespeitando a luta e
a vida dessas pessoas. E, quando dizemos que não vamos ganhar nada
agora, esquecemos que muitos morreram sem ver os frutos de sua luta, mas
nem por isso eles deixaram de vir. Muitas vezes não lutamos para
ganhar, e sim, para não nos deixarmos vencer pelo autoritarismo, pela
tirania, pela intolerância.
No Brasil, hoje, virou moda declarar
as greves ilegais e punir os sindicatos e trabalhadores com multas
absurdas. Há, em curso, um processo de criminalização das greves. Esse
direito histórico, que nos rendeu muitas
vitórias sociais importantes, que corrigiu situações criminosas e até
de atentados á vida (dado as condições desumanas, insalubres,
extenuantes de trabalho de algumas categorias), passou a ser cerceado
pela justiça que com isso vem paralisando os trabalhadores que dispõem
de poucos meios para fazer valerem seus direitos. No entanto, essa mesma
justiça não tem a mesma celeridade para corrigir os abusos
trabalhistas, fazer valerem acordos firmados entre empregados e
empregadores, não se apresenta como caminho possível, para o qual
podemos apelar, quando nos sentimos lesados, desrespeitados em nossos
direitos de trabalhador.
No caso dos trabalhadores da educação,
uma questão me inquieta, e creio que seja importante nos perguntarmos:
por que, das profissões de maior prestígio no nosso país em séculos
passados, só o magistério perdeu seu brilho? Isso não ocorreu com
médicos, advogados, engenheiros, que continuam sendo
respeitados pela sociedade e bem melhor remunerados do que os
professores.
O atual descaso com a educação brasileira não é algo
recente. Alguns estudiosos o localizam no processo de ampliação do
ensino público, especialmente quando este passou a abarcar os pobres, na
década de 1930. Outros discutem os vários mecanismos utilizados durante
a Ditadura Militar brasileira (1964-1985), que acabaram por
desestruturar a educação: diminuir sucessivamente suas verbas (em
contraposição à ampliação de sua oferta); a perseguição de professores, a
vigilância das escolas e de seus profissionais, a perseguição e
desintegração de entidades de classe ( estudantis e dos profissionais da
educação); a mudança curricular (imposição de EMC, OSPB e Estudos
Sociais no lugar de História, Geografia, Filosofia e Sociologia); o
rebaixamento salarial do professorado; os cursos de licenciatura de
curta duração, etc.
No processo de
redemocratização política, a partir de 1985, apesar da educação servir
de bandeira para todo e qualquer político que subisse num palanque desde
então, seja qual for sua cor política, nenhum deles cumpriu suas
promessas eleitorais de fazer da educação um dos pilares da governança
brasileira.
Não é por acaso que a nossa profissão caiu no
descrédito, e que somos desrespeitados todos os dias por governantes,
mídias, sociedade, alunos e pais de alunos. Que somos agredidos
psicologicamente, moralmente, profissionalmente e até fisicamente por
aqueles que deveriam ser nossos parceiros na difícil tarefa de educar as
novas gerações. É isso o que acontece cotidianamente, e em momentos
como esses, em que os professores chegam ao seu limite e decidem pela
greve, vemos estes agentes, muitas vezes, vir á público para culpar,
detratar e até execrar publicamente a postura dos professores. Isso
porque, segundo eles, no final, os alunos são
os únicos prejudicados. Onde estavam esses profundos, atuantes e
vorazes defensores da educação quando: os alunos não têm aulas, porque
não há professores (por insuficiência no número de professores nas redes
estadual e municipal, por falta de professores concursados em
determinadas áreas ou localidades, por licença médicas, e tantas outras
situações? E QUE FIQUE BEM CLARO: NESSES CASOS, AS AULAS NÃO SÃO
REPOSTAS!). E o governo, na sua morosidade, leva meses para sanar esse
problema! Quando escolas, até a presente data, ainda não começaram as
aulas devido à não realização de reformas indispensáveis a seu
início(reformas essas que deveriam ter sido feitas durante o recesso
letivo); ou quando os governantes não repassam as verbas para as
escolas, por conta, segundo eles, da burocracia, e elas precisam fazer
milagres para manterem-se abertas e funcionando (ESSE É O CASO DA BAHIA
NO MOMENTO); ou quando falta a merenda; ou quando
professores e alunos precisam trabalhar e estudar, respectivamente, em
salas mal iluminadas, sem ventilação, extremamente quentes (no calor
nordestino, baiano que conhecemos), e, no período das chuvas, goteiras
por todos os lados...Essa lista poderia se estender de forma quase que
interminável, mas, nada disso prejudica o aluno! O governo, com seu
descaso; a mídia, com seus produtos “de alta qualidade”; a sociedade,
com seu consumismo; alguns pais, com sua falta de tempo; NADA DISSO
PRENJUDICA O ALUNO! A ÚNICA COISA QUE O FAZ, É GREVE DE PROFESSOR.
Reconquistar
nossa auto-estima, auto-respeito, amor-próprio: é o que o professor
precisa de forma urgente! Só nós podemos fazer isso por nós mesmos.
PRECISAMOS NOS SENTIR, ANTES DE TUDO, DIGNOS DE RESPEITO, PARA SERMOS
RESPEITADOS. Precisamos assumir nossas extensas responsabilidades e
exigirmos, de igual forma, nossos direitos (até mesmo para termos
condições de falar de cidadania
para nossos alunos).
Esse texto é, acima de tudo, um convite ao professor para essa reconquista.
Só
quando andarmos nas ruas de novo, orgulhosos de nossa profissão, de
cabeça erguida, como fazem os médicos, advogados, engenheiros,
dentistas... Não teremos mais vergonha, nem medo de fazer greve, de
lutar por nossos direitos. E, pela dignidade e auto-respeito que
exalaremos NÃO, HAVERÁ NINGUÉM (MÍDIA OU GOVERNANTES) QUE TENHA CORAGEM
DE NOS DETRATAR PUBLICAMENTE E DE SENTIREM QUE FAZEM MAIS PELA EDUCAÇÃO
DESSE PAÍS DO QUE NÓS, QUE ESTAMOS NAS SALAS DE AULAS DURANTE 200 DIAS,
TODOS OS ANOS.
(Elisângela Sales Encarnação - Professora da
educação básica da rede estadual de ensino publico do estado da Bahia.
Graduada, especialista e mestre em História.)
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