Este texto foi escrito pela Letícia F. no dia 24/02/12.
Achei-o perfeito e resolvi divulgá-lo.
Precisamos refletir.
E agir.
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Acidente? Tem certeza?
Nesta semana aconteceram três “acidentes” fatais no turismo que foram divulgados pela mídia.
O primeiro foi o chocante atropelamento da garotinha de três anos em Bertioga. Por um jet ski.
Depois, Maiza Tavares morreu em Água de Lindoia quando o cabo da tirolesa se rompeu.
Hoje uma adolescente de 14 anos morreu no Hopi Hari.
Pessoas totalmente diferentes, em lugares diferentes, com causa mortis diferentes. Será? Será que foram meros acidentes?
Eu respondo, utilizando um recurso que
se um ex-chefe meu soubesse, me mataria: o dicionário (muitos
jornalistas têm mania de usar isso, e esse meu ex-chefe tinha horror à
prática).
acidente
a.ci.den.te
sm (lat accidente) 1 O que é casual, fortuito, imprevisto.
a.ci.den.te
sm (lat accidente) 1 O que é casual, fortuito, imprevisto.
Vamos ver isso caso a caso. Criança em
Bertioga foi atropelada por um jet ski pilotado por um garoto de 14
anos. Somente maiores de idade podem pilotar e precisam ser habilitados
para isso (leia mais a respeito no post do Sakamoto que eu indico na
própria notícia). Acidente?
Tirolesa: como ainda não há muitas
informações a respeito, eu digo que uma tirolesa não é somente pendurar
uma corda de um lugar mais alto e amarrá-la no chão, para que a pessoa,
ao escorregar, caia em uma linda poça d’água. Não. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem regras bem específicas sobre altura, peso suportado, manutenção,
monitoramento (há que existir, por exemplo, uma pessoa habilitada no
local da partida e outra no local da chegada). As regras seguem aquelas
fórmulas físicas mesmo. É cedo para dizer que o sítio onde Maiza morreu
não seguia essas regras? Talvez. Mas um cabo de aço não se rompe do
nada.
Vamos então ao Hopi Hari. A adolescente
pagou um ingresso e achou que ali dentro estava segura. Eu usei aquele
mesmo brinquedo mil vezes. Adorava. ADORAVA. Até que em 2007 eu fui ao
parque e me assustei com o abandono. Pintura descascando, falta de
monitor em alguns brinquedos… Cheguei até a mandar um e-mail pra lá.
Disse que se eles não se preocupavam assim com a aparência, qual
preocupação eles teriam com a segurança? Não tenho mais o texto
guardado, pois o contato foi pela caixinha de mensagem no próprio site
do Hopi Hari. Tenho apenas a prova do recebimento, numa mensagem
automática de 19 de outubro de 2007.
Alguns dias mais tarde me ligaram do
parque. Com muita educação, me explicaram que o Hopi Hari estava
passando por mudanças significativas e que em breve estaria tudo ok. Eu
agradeci o contato, falei que nunca mais colocaria meus pés lá mas que
confiava na palavra da simpática moça. “Não quero que aconteça um
acidente por aí”, disse.
Agora vocês devem estar se perguntando a
razão pela qual eu escrevo tudo isso aqui ou resmunguei tanto no
Twitter nesse começo de tarde. Algumas pessoas, logo no início desse
blog, me xingaram dizendo que eu devia me preocupar com coisas “mais
importantes”, me “engajar em causas relevantes” e toda essa bobagem
(como se falar sobre sexo fosse inútil).
Pois bem. Há nove anos eu sou engajada,
sim, numa causa que me é muito, muito cara: a da segurança em
turismo/esportes de aventura. Façam suas contas aí, sejam espertos e
descubram do que eu estou falando.
Há quase uma década eu luto
incansavelmente para que as regras de segurança sejam respeitadas. Por
isso que eu mandei o e-mail para o Hopi Hari. Não sou o tipo de pessoa
que faz cara feia nem pro garçom, imagina se eu ia me incomodar em
escrever uma mensagem enorme pra um parque de diversões. Fiz porque
achei que era meu dever como cidadã. Como uma pessoa que já sentiu na
pele o que é ver um ente querido virar estatística. Mera estatística.
Porque é exatamente isso que acontece:
rapidamente o Hopi Hari vai dizer que X pessoas foram ao parque nesses
anos de atividades, mas que somente X/1000000000000 sofreram algum tipo
de machucado. A adolescente de 14 anos vai virar um número. Sem nome.
Sem rosto. Sem sonhos. Um número.
Mas por trás dela há uma família. Uma
família que hoje vai liberar um corpo no IML, vai lutar na justiça por
uma indenização e vai ouvir de um burocrata qualquer exatamente que foi
“uma fatalidade”. Não. Num “brinquedo” como aquele, a manutenção é
essencial. É preciso registrar as horas de uso de cada peça; conferir o
funcionamento antes do parque abrir. Tudo isso está numa lista de regras
assinada pelos donos dos principais parques de diversões do país.
Regras essas que, aliás, não têm força de lei.
Resumindo, é isso: essas regras são
feitas pelas próprias pessoas que exploram as atividades. No caso da
ABNT, as normas parecem ter respaldo técnico e demoraram anos para serem
concluídas. Mas quem fiscaliza? Você não é obrigado a obedecer, se não
quiser.
Sabem aqueles passeios de bugue nas
dunas do nordeste? Que o motorista – muitas vezes não habilitado – te
pergunta se você quer com ou sem emoção? Pois é. Você vê as fotos da
galera super animada sentada na parte externa do bugue e segurando
naquele negócio cujo nome desconheço (aquela barra entre os bancos
traseiros e dianteiros). Todo mundo de biquini e sunga, feliz e
bronzeado. A regra diz que as pessoas devem estar DENTRO do carro e com
cinto de segurança. Para todos. Alguém segue isso?
Há casos ainda piores, em que a própria atividade é proibida. PROIBIDA. É
o caso do voo duplo. É, aquele mesmo que você vê na TV, com os globais
dizendo que foi a experiência da vida deles. A Agência Nacional de
Aviação Civil diz que tais voos só podem ser feitos com fins
instrucionais. Por causa disso é que os pilotos se autointitulam
“instrutores” e dizem que você está pagando uma “matrícula”, quando na
verdade você está só de férias no Rio e nunca mais vai se pendurar numa
asa delta ou num parapente.
Porque eles BURLAM a lei. Eles fingem
que estão “dando aula”, mas na verdade estão fazendo um voo panorâmico.
Eles cometem uma ilicitude. E ganham MUITO dinheiro com isso. MUITO. E,
agora sim eu posso dizer de cadeira: não fiscalizam, não treinam os
pilotos e usam asas e parapentes desgastados, velhos e que QUEBRAM NO
AR.
Se algo acontecer com você em alguma
dessas atividades, você vai virar uma Maiza, ou a adolescente de 14
anos, ou ainda a garotinha de três. A notícia vai chocar alguns. Outros
nem vão ficar sabendo. Quem explora a atividade vai te transformar em
estatística. Mas seus pais, irmãos, amigos, namorados ficarão
eternamente com uma sensação de impotência e revolta. Pra eles você tem
nome, sobrenome, sonhos, planos de futuro.
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Um comentário:
Falou tudo! E é isso mesmo, hein (:
Beijos,
Caroline, do http://criticandoporai.blogspot.com - espero sua visita lá!
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